Hannah Arendt e a Tecnologia: Interlocuções com a Biopolític

Por Por.ª Dra. Lara Emanuele da Luz
Bacharela em filosofia pela Faculdade São Luiz – Brusque, SC. Licenciada em filosofia pelo Instituto Brasileiro de Formação – Joinville, SC. Mestra em filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina – Florianópolis, SC. Doutora em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Curitiba, PR.

Ensino Superior

16.03.2022 - 14:58:08 | 5 minutos de leitura

Autor - Imprensa São Luiz
Hannah Arendt e a Tecnologia: Interlocuções com a Biopolític


Minha tese de doutorado em filosofia foi defendida no dia 04 de março de 2022, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, e teve como título “Hannah Arendt e a tecnologia: interlocuções com a biopolítica de Michel Foucault”. O objetivo principal consistiu em repensar a análise da tecnologia realizada por Hannah Arendt, como uma possível convergência da biopolítica foucaultiana, ainda que essa noção jamais tenha sido mencionada nos escritos arendtianos. Apesar de Arendt nunca ter utilizado o termo biopolítica, é possível observar em algumas de suas obras, a vida como centralidade na Modernidade, na medida em que está assujeitada às formas de poder totalitárias por um lado, e por outro, ao assujeitar-se às tecnologias modernas, enquanto mero animal laborans, ou seja, enquanto indivíduo destituído de política, e cuidador de seu próprio metabolismo vital. 
O animal laborans é a mais pura animalidade da condição humana, e torna-se engendrado em uma racionalidade capital, tornando-se produtivo enquanto “mecanismo” de uma grande máquina. Neste sentido, a tecnologia arendtiana é marcada por aquilo que a filósofa chama de “mundo moderno”, que teria surgido no século XX com as explosões atômicas. Além disso, em minha tese é defendida uma forma de tecnologia como “tecnologia de poder”, que se exerce em rede e é imaterial, na medida em que os corpos e as populações são assujeitadas e inseridas nesta lógica econômica, e a vida é “tecnificada”. 
A partir disso, a pesquisa foi dividida em quatro capítulos. O primeiro objetivou apresentar a teoria política de Hannah Arendt, apontando o diagnóstico que ela faz da Modernidade, para que se possa entender a decadência do sentido da política. Isso significa dizer: enquanto o animal laborans, a mera vida, ou seja, o cuidador unicamente do próprio metabolismo é a centralidade do poder e da política, há uma ausência de política. Do mesmo modo em que o homo faber - criador e fabricante de objetos que edificam e constroem uma relação com o mundo – exerce a fabricação enquanto uma forma de episteme, um saber-fazer. Ambos fazem parte da condição humana, e são necessários para fazer política, pois há o cuidado com a vida, e os objetos do mundo, para que o ser humano de ação possa exercê-la – haja vista que apenas a política é que torna o ser, humano. Porém, nem o homo faber por si só, nem o animal laborans por si só, são políticos. Na Modernidade ocorre a centralidade destas duas figuras e o esquecimento do ser humano de ação, acarretando em uma decadência do sentido da política. 
O segundo capítulo teve como escopo compreender o que é a téchne para os gregos antigos, a fim de contrapor a tecnologia e configurar aquilo que se cunhou de tecnificação da existência, que ocorre na Modernidade. Na Grécia Antiga, e até mesmo com o homo faber, havia uma forma de episteme - um saber-fazer -, que edificava e construía uma relação com o mundo. Com o surgimento da tecnologia, ocorre uma perda do saber, e executa-se apenas o fazer. O homo faber perde sua característica essencial. Um exemplo seriam as impressoras 3D, em que um indivíduo não precisa saber criar o projeto para imprimir o objeto na impressora, basta apenas saber operar a máquina, e selecionar o arquivo que se quer imprimir, e pronto. A essa perda do saber-fazer, ou seja, a essa subjetivação imposta sobre o ser humano a partir de uma racionalidade econômica e tecnologizante, atribui-se o nome de tecnificação da existência, que é um termo que aparece apenas uma vez na obra de Arendt, em seus Diários de Pensamento, e que nesta tese foi usado para caracterizar essa tecnologização, e a perda de sentido da política, haja vista que a racionalidade econômica que passa a imperar na Modernidade. 
O terceiro capítulo examinou a teorização da biopolítica foucaultiana, suas técnicas e tecnologias, a fim de servir como aporte teórico para que se pudesse identificar uma biopolítica da tecnologia em Hannah Arendt. Arendt apresentou conceitos anteriores à Foucault, que são extremamente similares àqueles apresentados pelo filósofo francês. Porém, na tese têm-se o cuidado e o entendimento de que os autores possuem campos hermenêuticos diferentes, na medida em que Arendt parte da teoria política, enquanto que Foucault parte de uma análise genealógica. 
E por fim, no quarto capítulo objetivou-se avaliar a possibilidade da tecnologia como um desdobramento da biopolítica em Hannah Arendt, de modo especial, a partir das categorias de animal laborans, no qual o ser humano enquanto cuidador da mera vida e corpo produtivo de uma racionalidade econômica torna-se central, e que por isso mesmo torna-se engendrado por tecnologias materiais e de poder, acarretando em uma política sobre a vida, ou em uma política em nome da vida. E utilizou-se o conceito de homo oeconomicus de Michel Foucault, que seria aquele indivíduo empreendedor de si, cujo interesse não visa o bem comum, mas apenas o bem individual, e que é fruto de uma governamentalidade econômica. 
Nestes termos, a presente tese buscou fundamentar com Arendt e Foucault a centralidade da vida na Modernidade, que teria ocupado tal lugar a partir da tecnificação da existência, ou seja, das tecnologias materiais e da tecnologia imaterial como formas de poder, sendo que ambas engendram o próprio ser humano, o destituindo de política, tornando a economia e a mera vida o centro de tudo, e, consequentemente, destituindo daquilo que o torna humano, segundo Arendt. 

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